23 agosto 2010

Ipsis LITTERIS (#001)

O jogo é um vício nefasto. Ao contrário da bebida e da droga, a pulsão pela aposta não altera o estado de consciência e arrisca os recursos financeiros do jogador. Dostoiévski que o diga. A fantasia de ganho fácil faz naufragar a razão na emoção. O jogador dobra apostas, blefa, se vende convicto de que a sorte, mulher apaixonada, jamais o abandona. Ledo engano talvez.

O processo eleitoral, tal como ocorre hoje, não seria um jogo "A maioria dos candidatos é motivada pelo ideal de servir ao bem comum ou pela ambição de ocupar uma função de poder e, assim, assegurar melhor futuro para si e os seus". Os candidatos, salvo exceções, não têm programas (exceto no papel), mas performance; nem objetivos, mas compromissos com aliados

Ao invés dos princípios ideológicos, o pragmatismo que ignora a ética mais elementar. A política se tornou a arte de simular e dissimular. Os marqueteiros têm mais poder sobre os candidatos que o partido. Não se trata mais de divulgar um projeto político, e sim um produto capaz de seduzir o mercado eleitoral. O perigo, é o político se tornar um produto semiótico, teatralizado.

Os marqueteiros são, hoje, os verdadeiros artífices das candidaturas. Os eleitores, o alvo mercadológico. A diferença com os produtos do supermercado é que estes são adquiridos para uso do consumidor. No caso da política, o eleitor é "consumido" para uso do candidato. Meses depois, o eleitor nem se recorda dos nomes a quem deu seu voto, embora se queixe dos políticos e da política.

A mídia exerce poderosa mediação entre o candidato e o eleitor. A entrevista incomoda porque impede o candidato de manter-se nos estreitos limites da retórica recomendada pelos marqueteiros. Surgem perguntas indesejadas e questionamentos éticos, e as contradições que o candidato tanto gostaria de ocultar. Sem entrevista, programa político e amor ao bem comum a democracia é mera farsa.


** Texto Mercado Eleitoral de Frei Betto (com adaptações)

publicado no site
www.brasildefato.com.br em 20 de Agosto de 2010.


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