16 março 2010

Post SCRIPTUM (#002)

Sou fã incondicional e profundo admirador do escritor potiguar Ney Leandro de Castro. Não o conheço pessoalmente, mas sou leitor assíduo de sua obra já faz algum tempo. Abaixo, um Ctrl C - Ctrl V de sua última entrevista (11/02) em solo potiguar, concedida ao periódico Zona Sul. Boa leitura.

ZONA SUL – Você nasceu em Caicó, mas trocou a cidade por Natal aos cinco anos. Recorda alguma coisa dessa época?
NEI – Meu pai foi delegado de polícia em Caicó durante dez, quinze anos. Dos meus irmãos, apenas dois nascemos lá: eu e Berilo de Castro, que é médico. Não lembro muita coisa, pois saí de lá aos cinco anos. Minhas lembranças da infância começam realmente em Natal. Recordo, por exemplo, da Rua Professor Zuza, a primeira onde morei.

ZONA SUL – Então a sua cidade é Natal...
NEI – Sim, é Natal.
ZONA SUL – Quais as lembranças mais antigas que você guarda de Natal? Do que você costumava brincar?
NEI – Quando eu tinha dez anos de idade, a Rua Apodi era um areal que ia bater no Morro do Estrondo. Era naquela rua e nas suas transversais onde jogávamos futebol. Joguei muito tempo, cheguei a ir para o infanto-juvenil do América.
ZONA SUL – Além de jogar futebol, o que mais o Nei Leandro menino fazia?
NEI – Também tinha a natação no Rio Potengi. Eu era daqueles meninos que nadava, atravessava o rio, participava dos campeonatos de cangapé, pulava da Pedra da Chapuleta e pescava morés e outros peixes bobos que têm lá naquela margem do rio... São lembranças maravilhosas.
ZONA SUL – Nessa época você já dividia os jogos de bola e os esportes aquáticos com a leitura?
NEI – Comecei a ler aos 11 anos de idade, influenciado por meu pai, que era um leitor assíduo. Antes eu lia os livros católicos do padre Eymard L´Eraistre Monteiro, que eram uma tortura. Quem se classificava em primeiro lugar na disciplina do padre ganhava livros profundamente desagradáveis. Era obrigado a ler e a comentar em classe aqueles livros que prometiam o reino dos céus e que diziam que o bom comportamento levava direto ao paraíso. Eu ficava profundamente entediado com aquilo.
ZONA SUL – Ao sair do Atheneu você foi estudar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Por que escolheu o curso de Direito?
NEI – Meu pai queria que eu fizesse Direito. Eu não. Outro motivo é que Letras, no início dos anos 1960, era um curso muito fraquinho, muito primário. Então, escolhi Direito para atender pedido do meu pai e também porque havia professores como Câmara Cascudo, Américo de Oliveira Costa, Véscio Barreto e Edgar Barbosa. Eram intelectuais e pessoas a quem eu admirava. Fui mais por isso, até porque nunca gostei de Direito, acho horrível. Eu jamais seria advogado.
ZONA SUL – Nessa época você já imaginava que escrever poderia ser um caminho?
NEI – Escrever não é um caminho porque não leva a nada, em termos financeiros. Estou lendo um livro sobre Drummond no qual ele diz como ganhou tão pouco com sua poesia. E olha que ele é o nosso maior poeta. A literatura só dá dinheiro a um mago, a um bruxo, que é Paulo Coelho. Escreve mal, só diz e só escreve besteira, mas é milionário, com livros publicados em todo o mundo. Você chega a Paris, como estive há pouco tempo, em Florença ou em Roma, e os livros dele entopem as prateleiras.
ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de escrever no Pasquim? E o pseudônimo Neil de Castro?
NEI – Depois de ver aquela publicação maravilhosa, irônica, brincalhona e criativa, escrevi uma crônica nesse estilo e levei para Millôr Fernandes. Ele ficou entusiasmado: não só publicou o texto, fez também uma introdução dizendo que havia um novo cronista e tal. Puxa, fiquei nas nuvens, né? Adotei o quase pseudônimo Neil de Castro porque Ziraldo achou que meu nome era muito grande. Pediu para diminuir. Botei Nei L de Castro. Virou Neil e ficou conhecido. Tem gente no Rio que até hoje me chama de Neil de Castro. Eu podia ter escrito mais, ter ido mais adiante. Mas eu trabalhava dois expedientes, não podia largar para ficar escrevendo para o Pasquim. Além disso o pessoal do Pasquim me inibia. Paulo Francis me inibia, o Ivan Lessa me inibia... Eu chegava lá, deixava uma crônica e ia embora. Tinha mais contato com Jaguar e Ziraldo.
ZONA SUL – Sobre o Neil de Castro tem até uma historinha sua com Carlos Drummond de Andrade. Como foi?
NEI – Estive com ele algumas vezes. Nesse livro “Dossiê Drummond”, baseado em uma entrevista concedida ao jornalista Geneton Moraes Neto, Drummond faz uma referência a mim. Tive alguns encontros com ele, em sua casa na Rua Conselheiro Lafaiete. Em uma daquelas ocasiões, lá pelas tantas eu perguntei: “poeta, e os seus poemas eróticos?”. Ele respondeu: “deixa pra lá, isso é pra quando eu morrer. Por falar nisso, tem um quase homônimo seu, Neil de Castro, que escreve contos eróticos muito bem”. Quando eu disse “Neil sou eu”, ele ficou encabuladíssimo. Jamais Drummond teria feito esse elogio de corpo presente. Era meio arredio. Ficou vermelho e comentou: “mas como sou estúpido”. (risos). Foi muito engraçado.

ZONA SUL – No Rio você lançou alguns livros tendo Natal como musa inspiradora de seus poemas. Seria o desejo de voltar a morar na cidade?
NEI - “Romance da cidade do Natal” escrevi em Natal e levei para o Rio, onde publiquei em 1975. Eu gosto muito do Rio. Sempre me dei muito bem com a cidade. Nunca fui assaltado no Rio de Janeiro, durante 37 anos. Vim ser assaltado aqui em Natal, no Pão & Companhia. Isso porque dizem que o Rio é a cidade mais perigosa do Brasil. Tenho uma filha e uma neta que moram lá. Minha mulher, Sandra, é do Rio. Estou sempre indo por lá.

ZONA SUL – O erotismo sempre esteve presente na sua obra.
NEI – “Zona erógena”, de 1981, é um dos livros mais fortes nesse sentido. Em “Era uma vez Eros”, de 1993, quando reuni “Zona erógena” e mais dois livros, ficou mais evidente ainda. Depois publiquei “Diário íntimo da palavra”, no ano 2000, que é mais amenizado. É nesse livro que tem o livro com os poemas do Rio de Janeiro.
ZONA SUL – Você voltou a Natal para escrever seus primeiros romances?
NEI – Foi. Voltei em 1981. Escrevi “O dia das moscas” em 1982. Depois, em 1985, escrevi “As pelejas de Ojuara”. Eu só conseguia escrever aqui, com esse clima.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre “As pelejas de Ojuara”.
NEI – Acho que Ojuara “pegou” pelo perfil do cavaleiro sem medo e sem mácula e por aquela viagem que ele faz em torno do Rio Grande do Norte, no sertão, como um Quixote não quixotesco indo através da Espanha. Don Quixote me influenciou e é, para mim, o maior romance de todos os tempos. “As pelejas de Ojuara” tem muito erotismo. Algumas pessoas gostam, outras não. Na segunda ou terceira página tem um episódio que faz muita gente largar o livro ali: ele fazendo a barba de uma mulher e tal.

ZONA SUL – Carlos Drummond de Andrade também elogiou “As pelejas de Ojuara”.
NEI – Eu transcrevo na quarta capa de uma das edições o comentário que ele fez a respeito do livro. Pedi autorização a Drummond para publicar esse elogio. Ele ficou surpreso e respondeu: “o que escrevi para você, é seu. O que me admira muito é você pedir autorização, porque ninguém pede isso não”. Eu disse que jamais publicaria sem autorização.
ZONA SUL – O livro foi premiado pela União Brasileira de Escritores. Você gostou da adaptação de “As pelejas de Ojuara” para o cinema? Você ajudou no roteiro do filme “O homem que desafiou o diabo”?
NEI – Dei palpites, mas a maioria deles não foi levada em conta. Acho que o filme poderia ter sido melhor. Se fosse dirigido pelo Guel Arraes, com aquele tempero que ele dá às coisas nordestinas, seria um excelente filme. De qualquer forma, “O homem que desafiou o diabo” é um filme razoável. Um problema é que ele é centrado em um único personagem, deixa de lado histórias engraçadas. Pedi a Luiz Carlos Barreto que colocasse pelo menos o Sancho Pança, o Celso da Silva, aquele gordo comilão. Ele não quis. Pedia palpite, mas nunca aceitava nada.
ZONA SUL – Mas o filme deu um impulso na sua carreira.
NEI – Foi, sem dúvida nenhuma. Muita gente viu o filme e correu para comprar o livro. Mas o filme poderia ter sido melhor. Talvez por medo de gastar muito dinheiro, por receio de passar o orçamento, Luiz Carlos Barreto ficou muito em cima do diretor, Moacyr de Góes Filho, que é muito bom. Barreto ficou em cima, manobrando. Ele não faria isso com Guel Arraes.
ZONA SUL – “As dunas vermelhas” ou “Fortaleza dos vencidos” chegaram a despertar o interesse do cinema?
NEI – Até agora não. Muitas pessoas já comentaram que “Fortaleza dos vencidos” daria um ótimo filme. Gosto particularmente desse livro por causa do final mágico, onde pessoas dos séculos XVI e XVII se juntam com outras como Baracho, que ficou conhecido por assaltar e assassinar motoristas de táxi em Natal. Dizem que o túmulo dele no Cemitério do Bom Pastor é cheio de flores, e que ele faz milagres. No final também aparece o Jacó Rabbi, o judeu que comandou o massacre de Uruaçu. Tem ainda o soldado Luiz Gonzaga, Zé Limeira Filho...

ZONA SUL – Quem você destacaria da literatura potiguar?
NEI – A poesia norte-rio-grandense é muito boa. Tem Jorge Fernandes, Luiz Carlos Guimarães e tem Berilo Wanderley, que publicou pouco, mas é um belo poeta. Também tem Zila Mamede, Myriam Coeli e umas jovens poetisas que são muito boas: Iracema Macedo, Diva Cunha, Carmem Vasconcelos, Jeanne Araújo e Maria Gomes. Costumo dizer que, proporcionalmente, aqui se escreve poesia mais e melhor do que no Rio de Janeiro. Apesar dos enganadores, têm muito poeta em Natal. Luiz Carlos, por exemplo, podia ser um nome nacional. Uma vez, em um recital no Rio, ao invés de dizer poemas meus, resolvi recitar Luiz Carlos Guimarães. Li uns cinco poemas dele. Quando acabei, todos queriam saber quem era e onde encontrar poemas dele.

ZONA SUL – A internet ajuda no seu trabalho de alguma maneira?
NEI – Eu não uso. Eu uso computador às vezes para pesquisar no Google, para me corresponder e para escrever. É a melhor máquina de datilografia do mundo. Imagina escrever 300 páginas datilografadas.
ZONA SUL – Pelo que você está dizendo o computador ajuda e muito no seu trabalho, já que ele serve para suas pesquisas, para você se corresponder com o mundo e também para digitar seus textos.
NEI – Corrigir um livro no computador é uma coisa. Agora, errar escrevendo em uma máquina de datilografia é terrível: tem que riscar ou jogar fora a página e começar de novo. Foi um grande avanço. Uso principalmente como excelente máquina de datilografia. Tem gente que passa quatro, cinco horas no computador. Eu não fico. No máximo passo duas horas por dia. Tenho muita correspondência com a França, Portugal... Em questão de segundos a mensagem chega lá.
ZONA SUL – Você já pensou em criar uma página para divulgar seu trabalho na Internet?
NEI – Não. Quem divulga um pouco é Sandra, através do seu blog: (http://sandraporteous.blogspot.com/)
ZONA SUL – O que você acha desse novo equipamento que está surgindo, o leitor eletrônico, capaz de armazenar milhares de livros?
NEI – Uma loucura. Eu não leio em tela. Só leio em página de livro. Gosto de pegar no papel, de amassá-lo, de boliná-lo e de sentir o cheiro. Ler texto grande na Internet, jamais. Pode até ser esse o futuro da literatura, mas eu quero é meus livros de papel mesmo. Claro que as gerações novas vão se adaptar ao ponto de no futuro nem chegar perto de livro.
ZONA SUL – O que você recomendaria a alguém que está começando a escrever
NEI - Como é difícil isso. Eu recomendaria tentar, tentar, tentar e ler muito. Se quer escrever ficção, leia boa ficção. Depois que Jorge Amado me arrebatou com aquela leitura agradável e sacana, li todo Erico Veríssimo. Ele é excelente narrador. Li muito e nunca deixei de ler. É isso que eu recomendo.

Fonte: Jornal Zona Sul.

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