17 julho 2008

Desde 1978

Às duas horas da madrugada do dia dezessete de julho de mil novecentos e setenta e oito, minha mãe, professora, então com dezoito anos incompletos, sentiu uma enorme cólica depois de misturar ponche de mastruz com rapadura do sertão, resultando em uma enorme bufa que reza lenda, foi ouvida até na cozinha do cabaré La Boquita, em Pau dos Ferros, oeste do RN. O resultado foi o nascimento deste narrador, que agora conta, a quem interessar, sua história de bravura e coragem, que vai desde os tempos de catador de quebra-pedras no quintal do seu avô, até a de cirurgião de boga de Tatu, e que hoje completa, graças ao bom Deus, trinta anos de idade. Pois então lá vai:

Como já foi dito, nasci de madrugada, horário que cu de bebo não tem dono e rapariga manca já arrumou cliente. Minha mãe me deu o nome de Alexandre, que em grego quer dizer, salvador do mundo, e faz referência ao imperador boiola de mesmo nome que conquistou metade do mundo em mil novecentos e cuspe. Meu finado pai, comerciante, contava que o médico quando olhou pra mim, perguntou a enfermeira: Que danado, é?! Que djabo é dez?! Que marmota é essa?! Cruzaram essa mulher com um pé de crote?! Pois bem, elogios à parte, nasci feio e preto da cor de anum. Acho que passei da hora, devo ter queimado feito broa.

Minha infância foi bem eclética. Joguei bola, pião, andei de carrinho de rolemã, empinei pipa, colecionei notas de cigarro, brinquei de botão, bandeirinha, cai no poço, apanhei feito a gota serena no garrafão, quebrei um braço e uma perna brincando de esconde-esconde, fui atropelado quanto tinha dois anos por um fusca e escapei fedendo de uma queda da janela do colégio. Na escola sempre fui o patinho feio. Quase nunca participava das brincadeiras no recreio e sempre tinha meu lanche (duas creme craques, uma banana e suco de laranja azedo), roubados antes do toque para o intervalo. Todo mundo adorava me bater, especialmente meu tio Zárak.

Ainda lembro dos apelidos que me botavam, todos claro, de péssimo gosto. Piu-piu, kuntaquintê, negro-sola, boca de lata, mané mago, cibito, arranca toco, goiamum, e o pior e mais sinistro, o único que me tirava do sério e me doía a autoestima: Robocop. Tudo bem, eu usava aparelho ortodôndico, corretor de colunas e um par de óculos enormes, mas ter algumas limitações físicas não dava a eles o direito de me compararem a um Ciborg. Sempre que entrava na sala, rigorosamente atrasado, todo mundo reproduzia em uníssono, o som do robô policial da série famosíssima dos anos oitenta. No fundo, eles me amavam, afinal se tudo fosse igual, nada seria diferente.

Aos nove anos, fui "convidado" a ser o Saci Pererê em uma peça na escola. Odiei ficar de um pé só durante quarenta minutos, enquanto a jeca da titia lia a estória em voz alta para um auditório lotado, apontando pra mim como seu eu fosse uma estátua pintada de tinta guache preta. Depois disso, fiz o papel de um arbusto que o coelho da Páscoa comia, em vez da cenoura. Concordo, tudo isso é muito tosco mesmo. A propósito por falar nisso, por causa de desse papel, ganhei um apelido, que, bom, deixa pra lá... Já a minha adolescência, foi rodeada de livros de ficção científica, música techno e meia dúzia de revistas pornôs escondidas embaixo do colchão.

Era tachado de CDF, nerd, aquele que a turma repudia por tirar as melhores notas, o sonho de qualquer professora do ginasial. Cheguei a ganhar um prêmio na sexta série por ter tirado onze notas dez no mesmo ano, sendo três delas só em Matemática. Tinha um amigo (não, nós não trocamos os cús) com quem andava, que tinha uma aparência bestial, hoje ele é um médico renomado, nefrologista quem diria. Na época, era o único que me dava atenção ou se interessava pelos mesmos assuntos. Quando vim morar na capital para estudar ele se intrigou e nossa amizade nunca mais foi a mesma. Deus sabe o que faz meus amigos, ah se sabe...

Quando completei quatorze anos, meu pai já tinha falido, era dono de um bar e eu o ajudava como garçom. O bar não progrediu, ele caiu em depressão e se atirou em uma rede. Meses depois, antes de fazer uma viagem por causa do comércio que estava montando, dormiu em casa, era véspera de Natal, nós estávamos na casa de minha avó materna quando o telefone tocou de madrugada. Era minha mãe desesperada, porque ele segundo o médico, tinha sofrido um derrame, um AVC, acidente vascular cerebral. As chances de sobreviver na época eram poucas e ele acabou morrendo nos deixando completamente endividados e falidos. Minha mãe quase surtou, meu avô nos estendeu a mão.

Foram tempos difíceis aqueles. Às vezes tinha impressão de morar em um colégio interno. Detestava a hora de ir para casa, odiava aquela rotina de deveres, deveres, deveres e nada de direitos. Fomos criados a rédeas curtas pela minha avó. Minha mãe tinha ido para Brasília e nós ficamos com nossos avós rigorosíssimos, mais muito queridos também. Nunca faltou nada, nem antes, nem depois. Fomos felizes naquela casa até minha avó falecer seis anos depois do meu pai e nos deixar, novamente, órfãos. Daquele dia em diante, tivemos que andar por conta própria, sem as rodinhas da bicicleta, sem a mãezona, a matriarca, os braços e pernas da família.

Aos quinze anos, uma amiga mais velha, hoje dona de casa, mãe de família e minha amiga do Orkut, me apresentou o sexo. O dela pra ser mais exato. Foi em uma rede embaixo de um alpendre, céu estrelado, escuro, cheiro de sacanagem, aquilo na mão, a mão naquilo e tudo aconteceu mais rápido que beber água com sede. Quando pensei que tinha botado, já tinha tirado e gozado em menos de 30 segundos. Ela olhava pra mim com vontade de me esganar, cara de mulher que o cabra num satisfaz. Tive culpa não, como diria Chicó em o Auto da Compadecida, Só sei que foi assim! Me lembro da cor da calcinha dela. Era vermelho turquesa. Sempre tive memória fotográfica pra sacanagem.

Com dezessete anos incompletos vim morar na capital para estudar medicina, ou melhor, tentar passar no vestibular. Foram três reprovações até desistir e cair no mundo devasso de mulheres, bebida e baladas. Mentira da porra !!! Deixei de ser nerd, assumo, mais adotei outra postura, deixei um pouco os livros de lado e vadiei um pouquinho. Em meados de mil novecentos e noventa e oito, eu então aluno do cursinho Objetivo, lá na rua Jundiaí, centro da cidade, vi o edital para o concurso do vstibular da Escola Superior de Agricultura de Mossoró, vulgo ESAM, hoje UFERSA. Me inscrevi. Minto, minto. Minha irmã me inscreveu para Veterinária.

Passei entre os três primeiros colocados. Grande merda, né?! Não queria voltar para Mossoró, tinha planos na capital. Morei de favor na casa de um tio, médico, me inspirava nele, era meu Airton Senna na época. Não logrei êxito no quarto vestibular pra medicina e resolvi tentar a veterinária. Essa decisão mudou a minha vida para sempre. Os primeiros períodos foram difícieis. Levei o curso nas coxas, aliás, até o sétimo período pra falar a verdade. Conheci uma moça, olhos castanhos, cabelo ruim, boca carnuda, andar manso, pele clara, sorriso lindo. O nome dela?! I-S-A-B-E-L-A. Tem nome mais bonito que esse?! Ainda mais com MARIA antes do nome.

Mais isso foi depois que sofri um grave acidente. Morreram quatro pessoas, eu e um colega de turma, fomos os únicos sobreviventes. Não gosto de falar nisso, não vou falar disso. Belinha, era como todos a chamavam, e era mesmo, uma flor bela e pequena, belinha. O que mais me atraiu nela foi a inteligência, o jeito disciplinado de ser, o gosto pela liberdade, o olhar, o sorriso, a boca carnuda, a vontade de ser livre. Ela me odiava, onde eu estava, ela saia, me chamava de amostrado, nojento e brega. E era mesmo, usava camisa quadriculada e botas, bebia feito um alambique e só falava em forró e rapariga.

Através de uma amiga fomos nos aproximando e tudo foi rolando aos poucos, bem aos poucos mesmo. Um verdadeiro exercício de paciência. Mudei o visual, escrevi bilhetinhos, passei a escutar rock só pra impressionar a moça. Comprei um All-Star e só ia pra festas undergrounds. Misturada a essa realidade porém existia uma banda. O Morreu Maria Preá, cujo o triangueiro era este narrador e cujas noites de quinta feira na cidade, eram tomadas pelo forró universitário do trio de rapazes embalados pelo modismo e pelo surgimento de bandas como Fala Mansa e Rastapé. Tempo bom, tempo de muita felicidade, muitos amigos, farras homéricas.

Voltando à moça, começamos a namorar no dia primeiro de setembro de dois mil e dois, na volta de uma viagem à Recife. Fomos assistir a uma aula de reprodução e radiologia com dois professores renomados. Voltamos namorados, mas só durou seis meses. Eu, um poço de ciúmes, ela, tinha cedido a minha insistência e acabou se arrependendo. No começo foi um tormento para nós dois. Brigávamos em público, ela me odiava por isso e eu, claro, me sentia péssimo. Quando ela terminou, na páscoa, fiquei mal, perdi disciplinas, fugi da faculdade. Três meses se passaram e nós voltamos a namorar. Conclui a faculdade e voltei para capital. Nunca mais nos separamos.

No carnaval de dois mil e sete, ficamos noivos e em quatro de julho último, nos casamos em uma capela chamosíssima, sob as bênçãos de Deus, da família e dos amigos. Hoje completo 30 anos bem vividos, feliz com minha nova vida, com o trabalho, com a familia e com os meus poucos e fiéis amigos, esperançoso em poder quem sabe completar 40, 50, 60, 70, 80 ou mais que isso, me aposentar e mudar-me com a companheira para um sobrado em Canoa Quebrada, onde espero morrer de velhice vendo o pôr sol do mirante da praia agradecendo a Deus por todas as graças recebidas ao longo da vida. Que assim seja.

4 comentários:

Judson Gurgel disse...

Parabéns mago!

Que Deus continue te iluminando sempre!


Tudo de bom pra ti amigo!

Anônimo disse...

Parabéns, Papangu!!!!!!!!! Adorei sua "estória", desculpe mas dei muita risada com alguns fatos, pra variar, né? Tinha que ser Isabela mesmo pra lhe dar jeito, criatura! Affffff! Que você seja muito feliz com Isabelita! Um beijão!

Susana Dantas disse...

Que tudo o que seja sagrado e profano possam te cobrir de luz e que possamos , eu e Julinha, compartilhar de tanto amor e fuleiragem. E pense com carinho na coisa de escrever um livro. Quem sabe esses planos prá Canoa não sejam adiantados devido a um sucesso literário , pelo menos cordel.

Wanderson Mizael disse...

Homi... escreva uma poesia matuta, um cordel ou algo semelhante. Tu dá para a coisa!!!