Tempo é ternura
Fabrício Carpinejar
Viver
tem sido adiantar o serviço do dia seguinte. No domingo, já estamos na
segunda, na terça já estamos na quarta e sempre um dia a mais do dia que
deveríamos viver. Pelo excesso de antecedência, vamos morrer um mês
antes.
Está
na hora de encarar a folha branca da agenda e não escrever. O costume é
marcar o compromisso e depois adiar, que não deixa de ser uma maneira
de ainda cumpri-lo.
Tempo é ternura.
Perder
tempo é a maior demonstração de afeto. A maior gentileza. Sair daquele
aproveitamento máximo de tarefas. Ler um livro para o filho pequeno
dormir. Arrumar as gavetas da escrivaninha de sua mulher quando poderia
estar fazendo suas coisas. Consertar os aparelhos da cozinha, trocar as
pilhas do controle remoto. Preparar um assado de 40 minutos. Usar pratos
desnecessários, não economizar esforço, não simplificar, não poupar
trabalho, desperdiçar simpatia.
Levar
uma manhã para alinhar os quadros, uma tarde para passar um paninho nas
capas dos livros e lembrar as obras que você ainda não leu.
Experimentar roupas antigas e não colocar nenhuma fora. Produzir sentido
da absoluta falta de lógica.
Tempo é ternura.
O
tempo sempre foi algoz dos relacionamentos. Convencionou-se explicar
que a paixão é biológica, dura apenas dois anos e o resto da convivência
é comodismo.
Não é verdade, amor não é intensidade que se extravia na duração.
Somente
descobriremos a intensidade se permitirmos durar. Se existe
disponibilidade para errar e repetir. Quem repete o erro logo se
apaixonará pelo defeito mais do que pelo acerto e buscará acertar o erro
mais do que confirmar o acerto. Pois errar duas vezes é talento,
acertar uma vez é sorte.
Acima
da obsessão de controlar a rotina e os próximos passos, improvisar para
permanecer ao lado da esposa. Interromper o que precisamos para
despertar novas necessidades.
Intensidade
é paciência, é capricho, é não abandonar algo porque não funcionou. É
começar a cuidar justamente porque não funcionou.
Casais
há mais de três décadas juntos perderam tempo. Criaram mais chances do
que os demais. Superaram preconceitos. Perdoaram medos. Dobraram o
orgulho ao longo das brigas. Dormiram antes de tomar uma decisão.
Cederam
o que tinham de mais precioso: a chance de outras vidas. Dar uma vida a
alguém será sempre maior do que qualquer vida imaginada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário