Dilma e o outro lado
Por Rodrigo Cerqueira[*]
Comparada com a votação do candidato oposicionista, os votos nulos e
brancos e o índice de abstenções, não podemos dizer que a vitória de
Dilma Rousseff foi um massacre eleitoral, tampouco o enterro da direita
brasileira, de sua política fabricante de correntes preconceituosas,
boatos obscurantistas e discursos tendo o medo como principal
plataforma.
A vitória da candidata petista é sim a vitória do projeto petista de
governo; a maioria do eleitorado brasileiro votou na consistência da
política econômica, na participação efetiva do estado na vida brasileira
e na inserção de grande parcela da população no mercado de
oportunidades presentes e futuras. É enganoso, porém, pensar que a
eleição de Dilma é um basta à oposição atual. Muito pelo contrário. Os
mais de quarenta e três milhões de votos conseguidos por José Serra
mostram, além da já conhecida força do eleitorado tucano, que parte
significativa do povo brasileiro está do outro lado e é esse lado que
dará mais trabalho para o governo da ex-ministra chefe da Casa Civil.
Poderíamos discutir longamente o que impulsionou o número de votos
pró-PSDB. A insatisfação com o governo Lula não parece a melhor das
hipóteses, já que o atual presidente possui impressionante índice de
popularidade e aprovação. Ser resultado das torpes campanhas fabricadas
pela candidatura e imprensa tucanas pode ser um caminho, mas não o
único. Sabe-se que o temor de que Dilma “não daria conta”, por ser
mulher, ou por ganhar vida apenas à sombra de Lula, vem, principalmente,
das mulheres, ou, se ampliarmos o raio de raciocínio, da classe média,
campo maior de votantes em Serra. Por mais paradoxal que soe, o medo de
uma parcela “esclarecida” da população sobre a capacidade administrativa
da candidata eleita diz muito sobre nós e sobre o principal desafio de
Dilma na presidência: convencer-nos do contrário.
Não que Dilma seja a candidata perfeita, nem que o voto em Serra seja
um absurdo, mas o candidato tucano, durante toda a campanha, se
esforçou para perder as eleições por uma diferença acachapante.
Esforçou-se para perder de muito, e perdeu de pouco. O fato talvez menor
não deve ser tratado com pouco caso. O conservadorismo torpe que ainda
nos rege faz com que descartemos o voto numa mulher, uma mulher que
representa o governo a sustentar o país com visíveis melhorias (e alguns
erros, é preciso ressaltar). O fato de que muitos brasileiros não
votaram em Dilma pelo desconhecimento ou pelo temor das possíveis
decisões da futura presidenta resulta em traço importantíssimo para o
caminho a ser trilhado nos próximos quatro anos.
A imprensa, que tanto abrigou as discussões menores e campanhas vis
durante o processo eleitoral, agora tenta colocar a história de Dilma
aos olhos de todos. Durante a campanha ela era a “laranja eleitoral” de
Lula, agora a competente gestora do governo. Não nos espantemos porém: o
sopro é bem menor que a mordida. Jornais já noticiam o plano
mirabolante do Partido dos Trabalhadores: Dilma será um estepe de quatro
anos para a volta de Lula ao poder. Os mortos não começam a ressurgir;
eles jamais foram embora, estão à espreita, esperando o primeiro vacilo.
Dilma terá de governar contra nós mesmos, nossos preconceitos
enraizados, nossas desconfianças vindas de fábrica – tudo
substancialmente alimentado por quem lhe é contra. Para o bem de nossa
claudicante democracia, é preciso que a presidenta saiba dar o tom e
esquivar-se dos ataques com elegância e habilidade naturais para quem é
competente e sabe o que fazer ao gerir projetos visando o bem coletivo.
[*] Professor, residente em Além Paraíba – Minas Gerais.
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